Povos Indígenas e a Bioética

Para o: Módulo de Bioética da Especialização em Terapias Integrativas e Complementares.

Quando os colonizadores portugueses chegaram às terras brasileiras, existia aproximadamente três a quatro milhões de índios, quase o triplo/quádruplo do resultado do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ou seja, 896,917 mil indígenas, que corresponde a 0,47% da população total atual do país. Um povo que era nativo e único em território brasileiro foi rebaixado a essa porcentagem. Esse povo tem lutado desde então contra invasões e perdas de território, exploração e trabalho escravo, intervenção religiosa, dizimação física (genocídio), violência cultural (etnocídio) dentre outras tentativas de descaracterização dessa população nativa. A identidade da população indígena brasileira é protegida por lei no Artigo 231 e 232 do Capítulo VII da constituição federal, aonde há reconhecimento da diversidade cultural e étnica desses povos ao tratar dos assuntos da saúde, a bioética. Assim como qualquer brasileiro, o índio tem direito ao acesso gratuito à saúde. Para existir um respeito à diversidade e evitar choques étnicos e culturais, criou-se o PNASPI (Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena) que garante aos povos indígenas o acesso integral a saúde, contemplando a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e política. O PNASPI visa aumentar a aceitabilidade da medicina tradicional pelos indígenas. Para isso funcionar, faz-se necessário a formação de profissionais que possuam embasamento antropológico, para lidar com possíveis conflitos éticos. Os profissionais de saúde que lidam com os povos e a saúde indígena, tem que fazer um comparativo entre o sistema médico tradicional e a medicina indígena.

“Você vive outro tipo de realidade quando cresce lá fora, no meio da floresta, ao lado dos pequenos esquilos e das grandes corujas. Todas essas coisas estão ao seu redor como presenças, representam forças, poderes e possibilidades mágicas de vida que, embora não sejam suas, fazem parte da vida e lhe franqueiam o caminho da vida. Então você descobre tudo isso ecoando em você, porque você é natureza.”
A  Lagoa Apache, Edward s. Curtis (1868-1952)

Para o povo indígena a doença é atribuída à ação de divindades e espíritos. Em quase todas as aldeias o tratamento e a cura é feita pelo pajé ou xamã e se fundamenta em inspirações místicas e conhecimentos empíricos seculares. Pela crença deles, esses poderes podem ser usados para curar doenças e também para causá-las. Geralmente eles atribuem essas doenças e males a feitiçarias enviadas pelos inimigos. A prevenção de doenças é inspirada em deuses e também em conhecimentos herdados de seus ancestrais. Tanto na cura como na prevenção, faz-se o uso de ervas, cipós, cascas de árvores e de muito outros elementos encontrados na floresta, tanto de origem animal, vegetal ou mineral.


Para ofertar uma saúde de qualidade às diversas etnias existentes no Brasil é imprescindível a associação e a integração entre os conhecimentos da medicina tradicional e os saberes indígenas. Também se faz necessário incluir na formação dos profissionais de saúde noções de antropologia. Seria interessante uma abordagem intercultural, na qual a medicina tradicional fosse compatibilizada e os saberes da medicina indígena fossem tratados como ciência, para restabelecer os conceitos de eficácia e cura. Para que isso seja uma realidade, os profissionais de saúde tem que reconhecer as limitações de sua medicina, relativizando e admitindo que existem outros sistemas de medicina, que devem ser respeitados e compreendidos.

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